Televisão, jornal, revistas, rádio e… podcast. Anteriormente, já há alguns anos, o brasileiro acostumou-se com um novo meio de comunicação, mas em 2022 este tipo de programa de áudio, que pode ser ouvido a qualquer hora, inegavelmente ganhou de vez espaço no dia a dia de boa parte da população.
Brasil é o segundo país que mais consome a plataforma
Números do Spotify, aplicativo mais popular para reprodução dos programas, apontam que em 2020 o Brasil consolidou-se como o segundo maior consumidor de podcasts no mundo, dobrando a audiência do ano anterior e ficando atrás somente dos Estados Unidos.
Esse crescimento é associado a uma mudança no tipo de consumo e também à quantidade de dispositivos em que é possível escutar o Spotify. Enquanto antes as pessoas usufruíam do produto na rua, na academia ou em algum deslocamento no seu dia, ainda assim vimos um aumento no uso em consoles de videogame ou alto-falantes inteligentes em casa.
Veja abaixo histórias de pessoas que mudaram de carreira através do podcast:
Vizeu é um dos casos de quem teve a vida transformada pela nova plataforma. Jornalista de formação, ele trabalhava na Folha de S.Paulo quando teve a ideia de produzir o Presidente da Semana, que, em 2018, contava a história de todos os presidentes do Brasil às vésperas das eleições. Depois de outros projetos de sucesso no meio, ele deixou a Folha para assumir a produção de podcasts do Spotify.
“O interesse mútuo em produzir podcasts à época aproximou Folha e Spotify, e já naquele ano produzi e apresentei o Eleição na Chapa, dedicado à corrida presidencial. Em 2019, lançamos a grande parceria de sucesso do Café da Manhã, dedicado a notícias e que é líder de audiência. Tantos projetos juntos acabaram me trazendo para o Spotify.”
Segundo podcast mais ouvido
De fato, o Café da Manhã é líder no ramo de notícias e o segundo podcast mais ouvido do Brasil na atualidade, atrás apenas do Horóscopo Hoje. Mas o que casos como o de Branca Vianna e tantos outros provam é que, atualmente, não é necessário ter uma das maiores audiências do país para viver exclusivamente da produção destes programas.
Branca abandonou 30 anos de carreira como intérprete
Para Branca, a paixão por podcast começou como herança dos audiolivros que utilizava para estudar e manter-se atualizada em outras línguas. Intérprete de sucesso por mais de30 anos, tendo trabalhado em diversos eventos pelo Brasil e o mundo, ela levou à revista Piauí, para a qual fazia contribuições em texto, a ideia da produção de podcasts.
“Não dá tempo de fazer tudo. O último trabalho que fiz como intérprete foi em 2018. Eu já estava muito envolvida com podcasts. Fui parando aos poucos, porque queria me dedicar à plataforma. Ser intérprete exige que você estude muito para se preparar para os eventos”, recorda.
A criação da Rádio Novelo foi um movimento natural de um grupo que desejava dedicar-se exclusivamente à produção de podcasts. O que não significa que não tenha havido dúvidas sobre a possibilidade de sobreviver financeiramente apenas com a plataforma, que começava a registrar crescimento no país.
“Foi no escuro. Eu achava que era possível tornar viável, que poderia ajudar a criar este mercado, mas não que fosse viável quando começamos. Tinha uma movimentação de pessoas querendo fazer podcasts profissionalmente naquela época, e como é bastante viável financeiramente fora do Brasil, não via por que isso não aconteceria aqui. Eu já tinha feito tudo o que eu queria na interpretação, então estava na hora ou de me aposentar, ou fazer outra coisa”, afirma Branca.
Rodrigo deixou a Globo para viver de podcasts
A trajetória na qual Branca foi uma das pioneiras tem se tornado cada vez mais comum. Não são poucos os exemplos de profissionais que deixaram suas carreiras – definitiva ou momentaneamente – para tentar viver da produção de podcasts. O caso de Rodrigo Alves, porém, é um dos mais emblemáticos.
Jornalista de formação, com 15 anos de carreira apenas no Grupo Globo, ele decidiu deixar o emprego no fim de 2020 não só para focar na elaboração de seu podcast, o Vida de Jornalista, mas também com propósito de montar a própria produtora e uma oficina de aulas de narrativa em áudio principalmente para pessoas também interessadas em produzir.
“Hoje posso dizer certamente que trabalho só com isso. O Vida de Jornalista não me banca, mas consigo me sustentar graças aos meus projetos”, diz o jornalista, que relata a surpresa com o “fervor” do mercado de podcasts. “Tem uma demanda muito, muito alta de pessoas querendo fazer. Empresas, instituições, ONGs… Minha produtora já teve que recusar mais de 10 pedidos porque ainda não dou conta agora, entretanto estamos trabalhando para melhorar.”
Atuação como coomentarista
Entre outras funções no grupo Globo, como repórter e editor do site GloboEsporte.com, Rodrigo atuava nos últimos anos principalmente como comentarista de basquete no SporTV. A “vaidade” de aparecer constantemente na televisão não foi um empecilho para a decisão de mudar de rumo, como ele mesmo explica, mas as incertezas financeiras, sim, pesaram na hora do adeus à maior emissora do país.
“Eu fiquei com muita dúvida. No meu caso, era mais a segurança de ter um rendimento mensal, benefícios. Entretanto, isso de pensar que estava no auge, sair de uma grande empresa, não tive não”, relata. “E a informação surpreendente é que, na média, meu rendimento mensal hoje é quase duas vezes o que eu ganhava na Globo. É muito maior. Isso me surpreendeu muito, porque eu já tinha um salário bastante razoável como comentarista.”
Jornalista e professor encontram espaço no podcast
O caminho de Rodrigo é praticamente o inverso do trilhado por Denis Botana e Danilo Silvestre, que encontraram justamente no basquete, mais especificamente na NBA, uma nova carreira.
Criadora do blog Bola Presa, no qual analisam a liga norte-americana de basquete desde 2007, a dupla decidiu se aventurar no até então quase desconhecido podcast em 2011. Somente a partir de 2016, porém, deram mais atenção ao meio. E hoje, é justamente ele que possibilita que ambos vivam da paixão pela NBA.
“Os textos cresceram até um certo ponto e de certa forma estabilizaram. Por mais que a gente fizesse mais, era o mesmo grupo que lia sempre. O podcast continua crescendo até agora. Há uns três, quatro anos, percebemos que, por mais que a gente lute contra, a gente não é um blog que tem um podcast, mas um podcast que tem um blog”, diz Denis.
Os textos e podcasts conquistaram fãs por todo o país, mesmo tratando de um nicho tão específico. Se caso não possuíssem os milhões de downloads das principais produtoras da plataforma, Denis e Danilo encontraram no financiamento coletivo uma forma de rentabilizar seus programas independentes.
“A parte difícil foi que a gente precisava bolar um modelo em uma época no qual o financiamento coletivo estava engatinhando. Alem disso, gente não acreditava que as pessoas iam pagar para uma coisa continuar existindo. Tínhamos desconfiança de que isso era viável em 2016”, aponta Danilo. “Depois de nove anos de blog, pensávamos: ‘Se não for financeiramente viável, não vale mais à pena’”, completa Denis
Monetizando com Podcast
Não só se mostrou viável, como os planos de assinatura de R$ 14 ou R$ 20 proporcionaram à dupla dedicar-se exclusivamente ao Bola Presa. Apenas um ano após o início do financiamento coletivo, Danilo largou a escola onde dava aula de Filosofia. Mais recentemente, foi a vez de Denis deixar o emprego em um dos principais jornais do Brasil. Surpreendentemente a ideia deu certo.
“Não imaginava que daria tão certo. A gente esperava algum dinheiro, jamais que teria assinante o bastante para vivermos disso”, lembra Denis. “O que a gente queria era ter mais tempo para o blog. Tínhamos vários receios, e abandonar nossos empregos foi uma forma de enfrentar estes medos”, completa Danilo.